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A decisão proferida monocraticamente pelo presidente do Supremo Tribunal Federal, Ministro Dias Toffoli, atendendo a pedido da defesa do Senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ) para suspender investigação intentada contra ele e outros com dados fornecidos pelo COAF, culminou, desastradamente, no reconhecimento da repercussão geral e consequente suspensão provisória,   em todo o País, de todos os processos e investigações em que houve compartilhamento de dados fiscais e bancários com o Ministério Público  sem prévia autorização judicial.
Isso porque, na malfadada decisão, o Ministro determinou a suspensão “de todos os processos judiciais em andamento”, além de “todos os inquéritos e procedimentos de investigação criminal (…), em trâmite no território nacional, que foram instaurados à míngua de supervisão do Poder Judiciário e de sua prévia autorização sobre os dados compartilhados pelos órgãos de fiscalização e controle (Fisco, Coaf e Bacen), que vão além da identificação dos titulares das operações bancárias e dos montantes globais (…)”.

A decisão é juridicamente equivocada, desrespeita as leis em vigor e também contraria outras decisões colegiadas do próprio STF, e as consequências dessa repercussão geral são graves e muito sérias. Os Ministérios Públicos Estaduais sofrerão, sem sombra de dúvidas, muito fortemente o impacto  dessa decisão do Ministro Dias Toffoli. É que o MP abre procedimentos que investigam crimes como lavagem de dinheiro, recebimento de propina e outras formas de corrupção, enriquecimento ilícito, evasão fiscal, entre outros. Tais crimes, via de regra, são identificados por órgãos como o COAF, que repassam as informações ao Ministério Público, notadamente aos  grupos de trabalho  ou força-tarefa, como é o caso dos Gaecos. Em todos esses casos, o compartilhamento direto de informações entre o COAF e o Ministério Público é absolutamente necessário e fundamental para o êxito dessas investigações.
É importante ressaltar que o COAF funciona no Brasil como uma UIF (Unidade de Inteligência Financeira), está inserido dentro de um sistema internacional de combate à lavagem de dinheiro e outros crimes financeiros e trabalha de acordo com essas regras internacionais, regras essas que o Brasil internacionalizou e se comprometeu a respeitar. Dentro desse sistema a lei não exige autorização judicial para compartilhamento de indícios de crimes pelas UIFs.

Os denominados RIFs (Relatórios de Inteligência Fiscal) são produzidos a partir das comunicações de operações financeiras de que trata a Lei nº 9.613/1998, bem como do recebimento de informações sobre indícios de lavagem de dinheiro identificados por autoridades nacionais e da troca de informações com Unidades de Inteligência Financeira (UIFs) de outros países. Todos esses procedimentos estão previstos pela lei brasileira e pelas normas internacionais adotadas pelo Brasil, sendo que por essas regras “a UIF (no caso do Brasil, o COAF) deverá ser capaz de disseminar, espontaneamente ou a pedido, as informações e os resultados de suas análises para as autoridades competentes relevantes”.

Portanto, o COAF não precisa de autorização judicial para ter acesso às movimentações financeiras, nem para comunicar, no caso de operações atípicas e de indícios de crime, essas movimentações aos órgãos responsáveis pela investigação. É obvio que por se tratar de um relatório de inteligência essa comunicação deve ocorrer sempre em sigilo e a autoridade que recebe essa comunicação também se torna responsável por manter esse sigilo. Não se trata, pois, como açodadamente dizem alguns, de quebra de sigilo e sim de transferência de sigilo.
O Supremo Tribunal Federal, em decisões colegiadas, reconheceu a constitucionalidade da Lei Complementar n.º 105/2001, e decidiu que o compartilhamento de informações sigilosas no âmbito da administração pública, desde que permaneçam em sigilo, não precisam de autorização judicial. Durante julgamento realizado em 26 de fevereiro de 2016 (Recurso Extraordinário 601314/SP e ADIs 2859, 2390, 2386 e 2397), os Ministros da Corte Constitucional brasileira reconheceram a possibilidade do envio, pela Receita Federal e demais órgãos fiscalizatórios, ao Ministério Público, de informações sigilosas sobre movimentações bancárias atípicas e com indícios da prática de crimes.
As pessoas e algumas Autoridades, tal qual o Ministro Dias Tofolli na decisão aqui examinada, estão confundindo, propositadamente ou não, o que é quebra de sigilo bancário com o que é transferência de sigilo e sob a alegação de que as movimentações financeiras revelam aspectos da vida privada ou da intimidade do indivíduo e possuem proteção constitucional esculpida no art. 5.º, X e XII, da Constituição Federal. O COAF, ao encaminhar essas informações ao Ministério Público, estaria violando a intimidade dos cidadãos.

Trata-se de um entendimento raso e superficial da questão e sem suporte na realidade legal e fática, eis que a autoridade que recebe a informação sigilosa passa a ter a obrigação funcional de preservar este sigilo. Em caso de eventuais quebras dessa obrigação funcional e vazamentos ilícitos, cabe responsabilizar administrativa, civil e penalmente os responsáveis. Vale reforçar: o COAF não quebra ou viola o sigilo de ninguém, o COAF apenas e tão somente comunica operações suspeitas e só age na presença de operações financeiramente atípicas e na presença de indícios de crimes. Por óbvio, a garantia do direito à preservação da intimidade não é um direito absoluto e não pode servir de salvaguarda à prática de atos ilícitos e criminosos, também não pode ser usado de maneira ampla e irrestrita para dificultar ou coibir a atuação de órgãos encarregados por lei da investigação e comunicação dessas ocorrências, como é o caso do Ministério Público e do COAF.

Por outro lado, temos que respeitar o justo e democrático anseio popular pela efetividade no combate à corrupção e aos demais crimes; assim, para o bem de todos os cidadãos e não apenas daqueles apontados como responsáveis por movimentações financeiras atípicas com indícios da prática de crimes, e também para garantir a efetividade da atuação legal e correta do COAF, bem como para a efetividade do trabalho do Ministério Público nas investigações de lavagem de dinheiro, corrupção e outros crimes, essa decisão injusta, equivocada e alicerçada em precária fundamentação jurídica e que também contraria decisões colegiadas do próprio STF, deve ser imediatamente revista e revogada.

Roberto Aparecido Turin é promotor de Justiça em Mato Grosso e presidente da AMMP

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