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OPINIÃO :Novos riscos ameaçam a operação “lava jato”

 

Parafraseando uma frase que rodou o mundo e que foi dita pelo mais diligente dos ministros do meio ambiente que o país já teve, “soltaram a boiada” sobre a Lava Jato e tudo o que ela representa na luta contra a corrupção que há séculos impregna as práticas políticas e administrativas do Estado brasileiro.

A sociedade brasileira precisa estar atenta ao que se passa em relação ao Ministério Público Federal, em especial às iniciativas que vêm sendo patrocinadas pela Procuradoria Geral da República (PGR) relativamente à Força-Tarefa da Lava Jato.

Desde a sua constituição no início de 2014, esse conjunto de procuradores da república e representantes de outros seguimentos da administração pública — polícia federal, receita federal, o ex-Coaf etc — vêm desenvolvendo um trabalho articulado de investigações criminais a partir dos conhecidos escândalos de corrupção responsáveis pelos desvios de bilhões de reais da Petrobras, desnudando a presença de associações criminosas compostas por membros de seguidas diretorias, dirigentes de grandes empresas que com ela mantiveram vultosos contratos e representantes do poder político de diferentes partidos e no âmbito de sucessivas gestões governamentais, causando gigantescos prejuízos financeiros a essa que um dia foi a maior e mais valiosa empresa brasileira.

Em face da presença nacional da Petrobras, além de Curitiba, formaram-se também Forças-Tarefa nos estados de São Paulo e do Rio de Janeiro.

Ao longo desses anos, esse inédito trabalho alcançou amplo reconhecimento por parte da população brasileira. E esse respeito resultou dos feitos extraordinários a que chegaram, consubstanciados, até o presente momento, na instauração de mais de 1500 processos judiciais em primeira, segunda e terceira instâncias, em aproximadamente 300 acordos de colaboração premiada, a maioria já homologados pelo Supremo Tribunal Federal. Acrescente-se a esse acervo inúmeras ações penais propostas perante essa mais Alta Corte de Justiça, além de dezenas de outros procedimentos investigatórios que se encontram em andamento.

Assinale-se, ainda, como futuro legado concreto desse trabalho, o fato de que ao final de todo esse esforço terá sido possível a recuperação de bilhões de reais aos cofres públicos e a punição criminal de incontáveis criminosos, a despeito das tímidas sanções penais previstas pela nossa pífia legislação penal.

Quem acompanha a evolução desses fatos sabe que a Lava Jato, ao confrontar a situação de quase absoluta impunidade que historicamente vem contemplando no Brasil os chamados criminosos do colarinho branco, revelou os métodos inescrupulosos e sofisticados com que a cleptocracia brasileira saqueia os recursos públicos do Estado, em suas três esferas de governo. Não por outra razão, previsivelmente, acabou por se transformar no alvo preferencial de sucessivas ofensivas que procuraram demoli-la enquanto instrumento legítimo e legal de combate aos desvios do dinheiro público em nosso país.

Essas investidas contrárias ao trabalho de profilaxia da administração pública têm sido protagonizadas, como regra, por setores do universo político-partidário, por representantes, ocupantes e ex-ocupantes de diferentes governos e de segmentos minoritários mas muito bem articulados do universo jurídico, que, desde o emblemático julgamento do Mensalão, passaram a conviver com expressivas e frequentes derrotas até então impensáveis para as suas teses jurídicas parcialmente envelhecidas e obsoletas, mas ainda não definitivamente superadas, em vista principalmente de posturas jurisprudenciais erráticas do STF, como o demonstra a questão envolvendo a execução provisória da sentença penal condenatória confirmada ou proferida em segunda instância, que por ora é objeto de uma proposta de emenda constitucional que se arrasta no âmbito do Congresso Nacional.

Mas há um outro patrimônio que a operação Lava Jato deixará como legado, consubstanciado numa nova postura institucional que vem sendo incorporada pelos diversos órgãos estatais encarregados de exercer atividades de controle e fiscalização.

Essa nova postura institucional vai progressivamente se espraiando para todo o Estado brasileiro e para todo o território nacional, incorporando novos e modernos métodos de investigação, desenvolvendo uma cultura que valoriza o trabalho conjunto e cooperativo entre esferas governamentais que antes atuavam de maneira estanque, colocando em prática novos institutos jurídicos — a delação premiada é o mais emblemático deles —, novas maneiras de interpretar a legislação brasileira dentro dos parâmetros constitucionais vigentes e conquistando vitórias crescentes e significativas em nossos tribunais. Não é por acaso que as instâncias superiores vêm confirmando a esmagadora maioria das decisões judiciais proferidas nos casos da Lava Jato em primeira instância.

Isso representa uma mudança cultural histórica no campo da luta contra o crime organizado em geral, e contra a corrupção, em particular. Ressalte-se que todo esse trabalho vem sendo desenvolvido com a estrita observância das regras constitucionais asseguradoras do devido processo legal, em especial ao amplo direito de defesa, ao princípio do contraditório e ao duplo grau de jurisdição, que no Brasil pode se expressar por até quatro diferentes instâncias julgadoras.

Mais recentemente, entretanto, vêm causando apreensão iniciativas promovidas pela Procuradoria Geral da República tendentes, ao que parece, na concretude dos seus efeitos, a enfraquecer as forças-tarefas sediadas em São Paulo e Rio de Janeiro, constituídas a partir de fatos criminosos identificados em Curitiba, esta também na alça de mira de propostas nitidamente centralizadoras gestadas em Brasília, ao arrepio do princípio constitucional que consagra a autonomia funcional dos seus membros no exercício das suas atribuições.

Essas iniciativas da PGR contrastam com o que vinha sendo observado por esse órgão da cúpula do Ministério Público Federal até então, e seguramente serão objeto de oportuno pronunciamento do plenário do Supremo Tribunal Federal.

O próprio Procurador-Geral da República e alguns dos seus principais assessores já manifestaram críticas infundadas e detalhadamente desmentidas pelos procuradores que integram aquelas forças-tarefas, suscitando dúvidas quanto aos verdadeiros propósitos subjacentes a essas críticas e iniciativas centralizadoras e fragilizadoras desses grupos de investigadores do Ministério Público Federal.

Curiosamente, essa inédita postura da PGR em relação às mencionadas forças-tarefas coincide com uma nova ofensiva que alguns partidos políticos, segmentos do Congresso Nacional e seus aliados do mundo jurídico desfecham contra o notável trabalho de moralização dos nossos costumes políticos e administrativos que vem sendo conduzido pelo Ministério Publico brasileiro.

Destaque-se ainda que o atual Procurador-Geral da República, embora a sua escolha tenha se dado de modo constitucionalmente irreparável, não participou da eleição que resultou na formação da lista tríplice que foi encaminhada ao Presidente da República para que ele indicasse um de seus nomes, como se vinha fazendo há quase vinte anos.

Essa circunstância confere urgência e relevância à proposta de emenda constitucional em análise no Congresso Nacional para tornar obrigatória que a indicação presidencial para o cargo de Procurador-Geral da República recaia em um nome que componha uma lista tríplice democraticamente escolhida por todos os integrantes da carreira, conferindo-lhe um mínimo de representatividade interna.

Impõe-se, pois, que estejamos atentos ao desenrolar dessa crise que se instalou no Ministério Público Federal. Espera-se que ela seja superada sem a superveniência de retrocessos na agenda anticorrupção que a sociedade brasileira deseja seja levada à frente pelas suas instituições públicas e privadas.

 

Carlos Cardoso de Oliveira Júnior é procurador de Justiça aposentado do Ministério Público de São Paulo e associado do Movimento do Ministério Público Democrático.

 

Artigo publicado no Conjur

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