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Em entrevista, Deltan volta a defender conduta enquanto questiona mensagens

A primeira entrevista concedida pelo procurador Deltan Dallagnol, ex-chefe da autoproclamada “força-tarefa da lava jato”, desde que começou a divulgação de mensagens da operação spoofing, foi concedida por e-mail, a pedido dele próprio, para a Folha de S.Paulo, e publicada neste sábado (13/2).

Na conversa, Deltan adota a mesma estratégia do Ministério Público Federal desde que começaram a vir à tona as mensagens hackeadas dos procuradores com autoridades como o ex-juiz Sergio Moro: negar sua autenticidade, ao mesmo tempo em que defende seu conteúdo.

“Não há no material, que não é reconhecido por nós por várias razões que vão de indicativos de sua edição e deturpação até a impossibilidade de lembrar e resgatar o contexto de milhares de mensagens trocadas há anos, qualquer predefinição de resultados, ações contrárias a fatos e provas, supressão de provas de inocência, fraudes processuais ou prática de crimes”, elenca Deltan.

O problema com essa argumentação é que as mensagens passaram por perícia, conforme atestado pela Polícia Federal e pelo ministro Ricardo Lewandowski, do Supremo Tribunal Federal, nos próprios autos do processo que concedeu o acesso ao material apreendido na operação spoofing à defesa do ex-presidente Lula. As mensagens, aliás, foram apreendidas pela Polícia Federal quando o órgão era chefiado por Moro, ministro da Justiça na época.

Além disso, há, sim, nas mensagens, indicações de que havia predefinição de resultados, como o fato de que a denúncia contra Lula foi adiantada ao juiz com meses de antecedência, possibilitando que ele formasse convicção desfavorável ao réu.

O conteúdo das mensagens também desmente a defesa de Deltan em outros pontos: pode-se apontar uso de prisão para forçar delações; direcionamento das delações para buscar provas contra réus específicos; e supressão de elementos que beneficiariam o réu, por exemplo.

Mesmo sem reconhecer a autenticidade das mensagens, o procurador acaba admitindo que havia uma proximidade com o então juiz Sergio Moro, ao defender a normalidade dessa conduta.

“Quando um advogado tem cinco casos criminais sob a responsabilidade do juiz, ele marca uma reunião. Quando você tem mil casos, trocar mensagens é mais eficiente”, afirma. E volta a defender Sergio Moro, que, segundo ele, é acusado por “excesso de proatividade”. “Ora, no sistema brasileiro, o juiz pode produzir provas e buscar os valores da Justiça como verdade e agilidade. Fazer isso não é favorecer o Ministério Público, e sim a Justiça”, diz Deltan.

Justamente essa proximidade entre juiz e acusação é o que a lei “anticrime” veio tentar sanar: a criação da figura do juiz das garantias serve para evitar que o mesmo juiz que ajudou a produzir provas venha a julgar o réu, por já estar predisposto a enxergar a situação por um determinado viés. O dispositivo foi sancionado pelo presidente Jair Bolsonaro em dezembro de 2019, quando Moro era ministro da Justiça do governo, e o desagradou. A sua criação está suspensa há mais de um ano, por decisão do ministro Luiz Fux, presidente do Supremo.

Perguntado sobre se a força-tarefa não teria errado ao se imiscuir em assuntos que não lhe diziam respeito, como a criação de um fundo bilionário com a multa da Petrobras, a apresentação de proposta legislativa contra a corrupção e a eleição no Senado, Deltan desconversa completamente.

Ele diz que o enfraquecimento da “lava jato” não vem dessas escorregadas, mas da “proibição da prisão após o julgamento da segunda instância” (não está proibida); “de amarras legislativas colocadas na colaboração premiada” (precisava de regulação); “da transferência para a Justiça Eleitoral dos casos de corrupção política” (sempre foi assim); “da cisão e redistribuição pelo Brasil de casos com íntima relação que estavam concentrados em Curitiba” (por razões fartamente questionadas, como mostram artigos e decisões em vários casos: aqui, aqui e aqui, por exemplo); e do “desmonte das forças-tarefas” (na verdade, sua institucionalização, já que elas só existiram informalmente e geraram gastos desnecessários).

Deltan ainda admitiu que as prisões são usadas como arma contra os acusados, ao apontar, en passant, que “os acordos de colaboração premiada” foram reduzidos “drasticamente desde a decisão que proibiu a prisão em segunda instância” (novamente: a prisão em segunda instância não foi proibida).

Em um outro ponto que poderia ter sido questionado, Deltan defendeu os contatos “informais” com autoridades internacionais para cooperação na busca de provas. “Esqueceram de dizer que isso é legal e recomendado por manuais de organismos nacionais e internacionais”, apontou o procurador.

Mas a questão não é assim tão simples: se por um lado o Conselho da Europa, por exemplo, incentiva a troca direta de mensagens, por outro, existe um tratado bilateral, assinado em maio de 2001, que determina que a competência para os acordos de cooperação judicial entre Brasil e EUA é do Ministério da Justiça, no Brasil, e do Procurador-Geral nos EUA, ou alguém por ele indicado.

Em uma conversa divulgada em 2020, Deltan foi alertado especificamente sobre essas questões, e fincou o pé em combinar uma extradição por fora dos canais oficiais do mesmo jeito.

Por fim, cabe registrar que Deltan afirmou que “hoje”, não tem planos de se candidatar a nenhum cargo político, “mas sim de contribuir como procurador e como cidadão para o fortalecimento da integridade e da cidadania”.

Do potal ConJur

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